A técnica de sondagem vesical em pacientes com retenção urinária pode ser visto na internet em vários vídeos. Por esta razão não vou me deter neste aspectos. Assim, vou descrever aspectos pouco relatados da sondagem vesical, seja de demora ou de alívio e do cateterismo limpo.
A retenção urinária é a mais comum das emergências médicas urológicas, mas rara nas mulheres.
Alguns casos são repugnantes. Pacientes perambulando sondados em hospitais a procura de tratamento. Um cenário real da falência do sistema de saúde nacional.
Quantos não são os brasileiros que vivem ou viveram esta tragédia!
Pacientes com doenças benignas, simples de serem tratados no estado atual do conhecimento e da tecnologia. Eles evoluem ao extremo da descompensação miccional, quando apresentam retenção urinária. Simplesmente não conseguem urinar e sofrem dor insuportável, onde somente a sondagem vesical pode aliviá-los.
Idosos, portadores de hipertrofia prostática benigna podem viver sondados por meses a procura de solução.
Retenção aguda é definida como bexiga dolorosa, palpável ou percutível, quando o paciente é incapaz de urinar.
Retenção crônica é definida como uma bexiga não dolorosa, que permanece palpável ou percutível após o paciente ter urinado. Tais pacientes podem ser incontinentes, chamada de incontinência urinária paradoxal.
Deve-se esvaziar a bexiga lentamente para se evitar hematúria (sangramento) e hipotensão transitória. Os pacientes com retenção urinária aguda chegam no pronto atendimento com hipertensão arterial causado pela dor. Após a sondagem, estes pacientes chegam a dormir durante a sondagem vesical. Todavia, deve-se esvaziar a bexiga lentamente, pelo risco de hematúria.
Os com retenção crônica podem apresentar insuficiência renal e após a sondagem apresentam poliúria. Portanto, drenam alto volume urinário por dias. Nestes pacientes deve-se monitorar a função renal e distúrbio hidro-eletrolítico. Nesta fase, se descuidados podem descompensar rapidamente e inclusive morrer.
Qualquer homem pode sofrer obstrução uretral pela próstata, pois esta passa por dentro dela. A próstata começa o crescimento de glândulas periuretrais ao redor da uretra, a partir dos 25 anos. A bexiga se adapta as condições obstrutivas por anos e qualquer evento para causar a retenção urinária.
O envelhecimento danifica o músculo da bexiga, o detrusor, causando seu espessamento e diminuição da sua capacidade. Os pacientes relatam que o jato vem diminuindo e as micções noturnas aumentado por anos. Por isso, é uma doença silenciosa e de caráter crônico. Alguns estão tão acostumados com sua micção, que dizem que urinam bem. Uma anamnese mais meticulosa revela que a doença já estava instalada há meses ou anos.
Uma vez recebi um paciente de 82 anos em cadeira de rodas com suas netas para consulta. Minha última consulta do dia. Quando perguntei há quanto tempo o paciente está sondada, me responderam 1,2 anos, doutor. Não acreditei e perguntei o motivo. Não souberam me responder, mas falaram que troca sonda a cada mês. Ao examiná-lo, a sua próstata era volumosa, em torno de 80 gramas. Havia nódulo endurecido ao toque. Fiquei perplexo e resolvi dar um basta na situação limitadora da sua liberdade. É inadmissível uma pessoa viver pressa a uma sonda por mais de 1 ano.
O paciente era colaborativo e suas netas envolvidas pelo seu sofrimento. Virei para elas e disse: posso remover esta sonda e ele sai sem sonda. Contudo, para dar certo, preciso que vocês me ajudem a resolver o problema. Vocês podem colaborar? Prontamente disseram sim, mas não entendiam o que faria. Removi a sonda e passei a ensinar como fariam cateterismo intermitente. Usariam uma sonda de alívio e a passariam 3 a 4 vezes por dia, conforme o paciente referisse bexiga cheia. Expliquei que precisariam realizá-la de forma limpa, com higiene normal do pênis. Passariam com uma previa anestesia local, xilocaína geleia. Demostrei e entenderam. E assim, tudo deu certo. Pedi urina I, cultura e antibiograma pois sabia era portador de infecção do trato urinário. Sua urina era turva e odor forte. No dia seguinte, após colher urina, iniciaria bacteriostático.
O paciente já se sentia melhor dias após, com urina clara. Contudo, ainda precisa do auto-cateterismo. Desde a retirada da sonda iniciei remédios para abrir a próstata e diminuí-la. O alfa-bloqueador aumenta em 50% a chance de sucesso após retirar a sonda. O inibidor da 5 alfa-redutase diminui o volume da próstata, porém com efeito tardio. Em dez dias, o paciente já conseguia urinar, mas com certa dificuldade. Os exames de imagem confirmaram próstata volumosa e rins preservados. Seu PSA era de 12 ng/mL. O paciente era portador de hipertrofia benigna da próstata e a biopsia de próstata confirmou adenocarcinoma. Porém, sem ter propagado aos ossos e gânglios pélvicos.
O paciente recebeu 3 doses trimestrais subcutânea de inibidores da testosterona. O PSA para menos que 1ng/mL. Houve redução do volume prostático. Passados mais de 5 anos, o paciente usa apenas alfa-bloqueador. Voltou para sua casa, ao convívio de sua esposa em Minas Gerais depois de 2 meses. Recebo seu exames de controles trazidos por suas netas 2 a 3 vezes por ano. Atualmente, o paciente urina espontaneamente com jato urinário bom, sem desconforto e acorda uma vez a noite.
Os médicos ao longo da sua jornada vivenciam casos clínicos marcantes. Eles sevem de reflexão e ensinamentos. Outro paciente que pude acompanhar aconteceu na minha residência. Ele vivia em uma cidade pequena no sertão da Bahia. A sua história pregressa relatava que certa noite teve retenção urinária. Foi levado ao posto de saúde e lá passaram uma sonda de alívio. Assim, resolveu sua dor.
Não me lembro como, se o ensinaram ou se o mesmo aprendeu a técnica. A verdade é que passou 5 anos realizando auto-cateterismo. Como estava cansado desta tarefa veio para São Paulo resolver o problema. Ao exame, a próstata era enorme e confirmada pelo ultrassom. A próstata pesou após a cirurgia, nada mais, nada menos que 760g! Foi a maior próstata que vi na minha vida. Mas o que aconteceu para tal crescimento? Os anos de sondagem propiciaram que a próstata adenomatosa crescesse sem parar. Imaginem só quanto sofrimento vivido por este cidadão. O mais interessante foi saber que usava a mesma sonda uretral. ela era por semanas deixada imersa em álcool.
O crescimento da próstata sempre ocorreu entre homens e muitos entraram em retenção. Assim, muitos morreram deste mal por séculos. A dor pode causar choque neurogênico pois a dor extrema pode abrir a microcirculação periférica. A infecção se propaga aos rins e pode evoluir para septicemia ou seja, infecção que invade o sistema vascular. Além disso, ruptura da bexiga com saída da urina para a cavidade abdominal, e etc.
A retenção urinária não é coisa nova e hoje ocorre mais porque pela longevidade. Há relatos que os chineses há mais de 2 mil anos usavam bambus finos para realizar cateterismo uretral. Desta maneira, esvaziavam a bexiga. Dá para imaginar o que isto doía. Porém, era a solução para aliviar a dor da retenção urinária aguda. Atualmente, de certa forma, os pacientes mais pobre do terceiro mundo ainda vivem na idade da pedra.
Um paciente que viveu esta situação clínica pode ter sua saúde piorada de uma maneira irreparável.
Portanto, uma sondagem de demora deve ter um limite para sua permanência. O paciente não pode viver sondado para sempre.
Estima-se que 15-25% dos pacientes internados usem sondagem vesical durante sua internação. A sondagem vesical é procedimento que é realizada com indicação bem definida. Deve-se remover a sonda o mais rápido possível para evitar contaminação e consequente, infecção do trato urinário. Assim, desconectar a sonda do coletor só por absoluta necessidade. A contaminação causada por cuidadores ocorre em 60% dos casos. Idosos, imunodeprimidos, diabéticos e mulheres são as maiores vítimas. A sonda de silicone é mais resistente a infecção, mas estão contaminadas em 5 dias do cateterismo. Portanto, o dobro da sonda de látex.
A anestesia raquidiana ou peridural, sem cateterização vesical em cirurgia deve-se redobrar a atenção no pós-operatório imediato. Toda equipe médica e de enfermagem devem ficar atentas. Normalmente a pessoa sente vontade de urinar pelo enchimento vesical ao atingir sua plenitude. Após uma cirurgia, com o paciente anestesiado ocorre bloqueio nervoso e por consequência muscular. Com isto, não há consciência da bexiga. Desta maneira, o paciente não expressa desejo de urinar. Tal situação, pode causar dano irreparável ao sistema motor e sensitivo da bexiga. Por isso, causa dano neurológico, a bexiga neurogênica por hiperdistensão vesical.
Uma vez acompanhei uma parturiente no pós-operatório ficou com bexigoma por mais de 24 h. Por consequência, desenvolveu bexiga neurogênica. Vejam o tamanho do desastre! A retenção urinária após cesariana ocorre em 23 a 28%. O cateterismo de alívio intermitente pode ser a solução. Se o dano neurológico for extenso, será permanente na vida. Uma bexiga cheia pode causar dano vascular isquêmico na parede da bexiga. Isto afeta o músculo detrusor e as terminações nervosas, causando dano irreparável.
Uma pessoa que tenha retenção urinária aguda não precisa necessariamente ser tratado com sonda vesical de demora. O médico precisa saber das suas condições miccionais prévias, avaliando a história da obstrução infra-vesical. Os urologistas usam um escore para mensurar a situação obstrutiva do paciente. São os sinais e sintomas do hábito miccional do trato urinário inferior (LUTS). Baseado nisso, tomam a melhor conduta.
A obstrução aguda de urina se passar do limite suportável, mesmo em jovem, é causa de retenção urinária. Nos jovens, a maior causa é o uso abusivo de bebidas alcoólicas. Assim, ela causa sonolência e por serem diuréticas enchem a bexiga rapidamente. Deve-se passar sonda de alivio e observar as micções seguintes para a conduta final.
No paciente idoso que vinha urinando regularmente, sem grande desconforto o mesmo pode ser feito. Entretanto, se seus sintomas são mais graves, deve receber sonda de demora e ser encaminhado ao urologista. No paciente do primeiro caso se trata com medicamentos: antibiótico se para infecção do trato urinário, remédios que melhorem o jato e/ou diminuíam a próstata. No segundo, a solução pode ser a desobstrução por cirurgia. Alguns pacientes podem ser tratados com cateterismo limpo intermitente por alguns dias, evitando-se a sonda de demora.
Quando a bexiga excede sua capacidade máxima normal de 400-600 ml, a micção torna-se cada vez mais difícil. Por isso, quanto maior o volume da bexiga, maior é a redução da contractilidade da bexiga. Para alguns causa retenção urinária transitória. Pode necessitar de um ou alguns cateterismos intermitentes antes da bexiga recuperar sua capacidade. Contudo, se a bexiga se distende por longo tempo, o músculo pode ser permanentemente danificado e perder sua capacidade funcional.
A sobre-distensão da bexiga produz alongamento do detrusor, resultando em contratilidade reduzida. Desta forma, alongamento muscular por mais de 3 horas prejudica a função da bexiga rapidamente.
Vários estudos têm apontado que a isquemia e os radicais livres desempenham papel importante na patofisiologia da distensão da bexiga. Por isso, são fatores que contribuem para a disfunção da bexiga.
Nunca passar sonda vesical em um paciente com politrauma que apresente uretrorragia ou seja, saída de sangue pelo meato uretral. Geralmente eles apresentam equimoses e hematomas no pênis ou períneo. Neles não sabemos o que está ocorrendo com a uretra. Por isso, precisa-se realizar o diagnóstico uretral antes do cateterismo.
Portanto, se for passada sonda, pode-se transformar trauma uretral parcial em total. Assim, pode piorar causar falso trajeto pela sondagem. Além disso, contaminar o leito cruento da uretra rompida. Deve-se investigar a lesão uretral com uretrocistografia retrógrada antes da sondagem. Ela faz o diagnóstico da lesão. Com isso, o urologista toma a conduta apropriada para a possível sondagem vesical. Em alguns casos, a cistostomia, ou seja sondagem vesical por via abdominal, deve ser a conduta inicial. Desta maneira, evitando-se a manipulação uretral e piora do seu dano.
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https://www.auanet.org/guidelines/benign-prostatic-hyperplasia/lower-urinary-tract-symptoms-(2018)